A pergunta me foi apresentada e eu gostaria de convidar os colegas a uma reflexão, uma reflexão aberta, pois o pensamento não tem dono e se oferece a quem queira recolhê-lo.
A reflexão é proposta a nós, operadores do Direito, que em nossa atividade diária, independentemente da área em que atuemos, trabalhamos com uma ferramenta comum: a hermenêutica, vale dizer, a interpretação das leis.
Se verificarmos com cuidado, mesmo ao abrirmos os jornais, defrontamo-nos com decisões que às vezes atentam até mesmo contra o bom senso mais singelo, trazendo à luz a crise pela qual passa o direito moderno, uma crise cujo fundo comum se deita sobre o uso de nossa ferramenta de trabalho. Não é o bom ou o mau uso, mas a própria ferramenta que se encontra desgastada e é chegado o momento de questioná-la.
Sabemos que, com algumas variações, trabalhamos com um modelo de interpretação chamado de subsunção, pelo qual adequamos um fato à norma, atuando esta como uma “moldura” a enquadrar a realidade trabalhada. Para tanto, usando um tradicional método lógico-formal, extraímos um “significado” dessa norma e ele passa a ser o quadro no qual o fato deve ser emoldurado.
Há uma preocupação atual para se buscar outro modelo, isto é fato. Como Heidegger pode nos ajudar, já que ele é filósofo e não jurista?
Heidegger nos apresenta, principalmente em seu trabalho inacabado “Ser e Tempo”, um outro modo de nos relacionarmos com a realidade. Sua proposta é simples, o que não significa fácil, referindo-se a nos aproximarmos da realidade que nos cerca de um modo “total” ou “integral”. Vale dizer, nós não somos unidades entificadas, colocados num mundo entificado, cercados de “coisas” também entificadas, como se tudo se apresentasse em “compartimentos".
Nós não teríamos então diante de nós um carro, a atmosfera, um pensamento, o corpo, a lei, uma pessoa, um sentimento, uma realidade, o tempo. Nós estaríamos envolvidos, dentro e fora, ao mesmo tempo, em tudo isto. Nós seríamos como unidades, sim, mas unidades envolvidas numa enorme atmosfera de tudo aquilo que nos cerca.
Não seríamos apenas corpo e mente, mas sim corpo, mente, introspecção e extensão, tudo ao mesmo tempo, no mundo, no qual o próprio tempo já está inserido e no qual nós já estamos inseridos e ele (tempo) em nós.
Nesta enorme atmosfera que somos, somente aparecem as coisas às quais nós dedicamos nossa atenção, por meio de uma “decisão de observar”, por isto, fenômeno (aquilo que aparece para nós).
Para nos relacionarmos com os fenômenos, com as coisas que aparecem e integram essa nossa grande atmosfera da qual fazemos parte e somos, usamos uma ferramenta. Esta não é a “razão”, aquela instrumental, que nos separa em pensamento e sentimento, em corpo e espírito, que nos divide de nós e em nós mesmos.
A ferramenta proposta por Heidegger é o “logos”, palavra grega de significado profundo e diverso, embora análogo, ou seja, com uma unidade de sentido. Para nos relacionarmos com a realidade que somos, da qual fazemos parte e que se nos apresenta, usamos o “logos” no sentido de discurso, ou ainda, “razão discursiva”.
Usamos o “logos” porque toda a atmosfera que nos cerca, da qual fazemos parte e que se nos aparece tem um “significado”, uma significação, uma significância e, por isto, toda ela é interpretada. As coisas não são simplesmente, elas são interpretadas, são lidas, há uma leitura da realidade constantemente.
Por isto a fenomenologia heideggeriana é uma “ontologia”, porque ela faz o “logos” do “ontos”, ou seja, a leitura (discurso) do ser da realidade. Quando há leitura, há interpretação, logo, tal filosofia é hermenêutica.
Esta é a lição de Heidegger que para nós, operadores do Direito, pode ser aproveitada. Toda a atividade do operador do Direito é uma leitura da realidade. Um dado fato ou uma situação (porque envolve espaço, tempo e atores ou partes), uma “causa” ou “causo” tem necessariamente que ser lida no todo da atmosfera em que ela se nos apresenta, em seu todo de realidade que inclui a norma social que a regulamenta.
A pergunta, então, é: como transformar isto num método, ou seja, num caminho seguro que nos dê condições de lermos a realidade?
Este é o trabalho de reflexão que convido a todos que pacientemente leram este texto. Este é o nosso trabalho de operadores do Direito. A nossa missão. Era a finalidade do projeto Nuesis (tanto a sigla quanto seu conteúdo têm um significado), que independente do nome que tenha, espero que não morra jamais.
A reflexão é proposta a nós, operadores do Direito, que em nossa atividade diária, independentemente da área em que atuemos, trabalhamos com uma ferramenta comum: a hermenêutica, vale dizer, a interpretação das leis.
Se verificarmos com cuidado, mesmo ao abrirmos os jornais, defrontamo-nos com decisões que às vezes atentam até mesmo contra o bom senso mais singelo, trazendo à luz a crise pela qual passa o direito moderno, uma crise cujo fundo comum se deita sobre o uso de nossa ferramenta de trabalho. Não é o bom ou o mau uso, mas a própria ferramenta que se encontra desgastada e é chegado o momento de questioná-la.
Sabemos que, com algumas variações, trabalhamos com um modelo de interpretação chamado de subsunção, pelo qual adequamos um fato à norma, atuando esta como uma “moldura” a enquadrar a realidade trabalhada. Para tanto, usando um tradicional método lógico-formal, extraímos um “significado” dessa norma e ele passa a ser o quadro no qual o fato deve ser emoldurado.
Há uma preocupação atual para se buscar outro modelo, isto é fato. Como Heidegger pode nos ajudar, já que ele é filósofo e não jurista?
Heidegger nos apresenta, principalmente em seu trabalho inacabado “Ser e Tempo”, um outro modo de nos relacionarmos com a realidade. Sua proposta é simples, o que não significa fácil, referindo-se a nos aproximarmos da realidade que nos cerca de um modo “total” ou “integral”. Vale dizer, nós não somos unidades entificadas, colocados num mundo entificado, cercados de “coisas” também entificadas, como se tudo se apresentasse em “compartimentos".
Nós não teríamos então diante de nós um carro, a atmosfera, um pensamento, o corpo, a lei, uma pessoa, um sentimento, uma realidade, o tempo. Nós estaríamos envolvidos, dentro e fora, ao mesmo tempo, em tudo isto. Nós seríamos como unidades, sim, mas unidades envolvidas numa enorme atmosfera de tudo aquilo que nos cerca.
Não seríamos apenas corpo e mente, mas sim corpo, mente, introspecção e extensão, tudo ao mesmo tempo, no mundo, no qual o próprio tempo já está inserido e no qual nós já estamos inseridos e ele (tempo) em nós.
Nesta enorme atmosfera que somos, somente aparecem as coisas às quais nós dedicamos nossa atenção, por meio de uma “decisão de observar”, por isto, fenômeno (aquilo que aparece para nós).
Para nos relacionarmos com os fenômenos, com as coisas que aparecem e integram essa nossa grande atmosfera da qual fazemos parte e somos, usamos uma ferramenta. Esta não é a “razão”, aquela instrumental, que nos separa em pensamento e sentimento, em corpo e espírito, que nos divide de nós e em nós mesmos.
A ferramenta proposta por Heidegger é o “logos”, palavra grega de significado profundo e diverso, embora análogo, ou seja, com uma unidade de sentido. Para nos relacionarmos com a realidade que somos, da qual fazemos parte e que se nos apresenta, usamos o “logos” no sentido de discurso, ou ainda, “razão discursiva”.
Usamos o “logos” porque toda a atmosfera que nos cerca, da qual fazemos parte e que se nos aparece tem um “significado”, uma significação, uma significância e, por isto, toda ela é interpretada. As coisas não são simplesmente, elas são interpretadas, são lidas, há uma leitura da realidade constantemente.
Por isto a fenomenologia heideggeriana é uma “ontologia”, porque ela faz o “logos” do “ontos”, ou seja, a leitura (discurso) do ser da realidade. Quando há leitura, há interpretação, logo, tal filosofia é hermenêutica.
Esta é a lição de Heidegger que para nós, operadores do Direito, pode ser aproveitada. Toda a atividade do operador do Direito é uma leitura da realidade. Um dado fato ou uma situação (porque envolve espaço, tempo e atores ou partes), uma “causa” ou “causo” tem necessariamente que ser lida no todo da atmosfera em que ela se nos apresenta, em seu todo de realidade que inclui a norma social que a regulamenta.
A pergunta, então, é: como transformar isto num método, ou seja, num caminho seguro que nos dê condições de lermos a realidade?
Este é o trabalho de reflexão que convido a todos que pacientemente leram este texto. Este é o nosso trabalho de operadores do Direito. A nossa missão. Era a finalidade do projeto Nuesis (tanto a sigla quanto seu conteúdo têm um significado), que independente do nome que tenha, espero que não morra jamais.
2 comentários:
Querido João
Não creio que dá para utilizar da filosofia de Heidegger para fazer dela um método para se estudar o direito. Há sim uma hermeneutica, e não digo nem jurídica,mas hermeneutica dos textos de Direito utilizadas por intérpretes do Direito. Utilizar a filosofia de um determinado autor, para a compreensão do Direito, é tão útil quanto perigoso. Filosofia não pode ser encarada como método. Cada filósofo tem um sistema, um pensar, uma estrutura. Ai vai a lição que aprendi com o Giannotti no primeiro ano de Filosofia: filósofos não são como comida, que se pode preparar cenoura a Juliana.... assim não funciona arroz a lá Hegel, bife a lá Hobbes, batatas a lá Aristóteles... isso dá indigestão... Sábio Giannotti em sua aula de filosofia gastronomica... Alguns jusfilósofos brasileiros teriam evitado muita coisa estranha se tivessem seguido essa receita...
Concordo parcialmente com o comentário acima,todavia acho que vários pontos da filosofia heideggeriana como interpretação,verdade,compreensão e temporalidade são conceitos que desmistificam certos pontos de sustentação da interpretação jurídica como subsunção.Primeiramente para sustentarmos o processo de subsunção é necessário recorrermos a verdade como certeza(Espinoza).Se a verdade é algo uno(Platão)e somos abençoado por termos uma Razão unipotente que nos possibilita encontrarmos a verdade quando ela surgir,também nos será possível elencarmos a lógica como o próprio pensar. No entanto,Heidegger recupera dos pré-socráticos a verdade como Alethéia(desvelamento)que nunca pode se apresentar em sua pura nudez,pois somos seres finitos e históricos.Desta forma a verdade é algo que se constrói na esfera do ser-com e não algo que se dá numa simples construção silogistica.
Outro ponto importante é a distinção entre interpretação e compreensão.Sendo a última mais originária que a primeira e abertura que condiciona qualquer tipo de interpretação,pois toda abertura é condicionada pelas disposições afetivas,já de início imposibilitado qualquer decisão objetiva e impacial.Pobres juizes!!
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