O STF colocou um ponto final sobre a possibilidade de ocorrer a chamada “marcha da maconha”. Todavia, como ressaltou o relator da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 187-DF, que tratou do assunto, ministro Celso de Mello, a discussão envolvida era somente referente à liberdade de expressão, mais especificamente, à “liberdade de reunião” e “direito à livre manifestação do pensamento”. Assim, cerca de dois terços (2/3) do voto tratam de explicitar o que sejam tais direitos, apresentando conceitos e elementos que os compõem.
Muito bem! Se antes não havia orientação clara a respeito de tais direitos, agora, nesta ação são estes plenamente apontados. A liberdade de expressão abarca qualquer tipo de manifestação!
Sendo assim, deve-se deduzir que, além da marcha da maconha, outros temas possam ser discutidos, como, por exemplo, a inexistência do holocausto, a legitimidade das idéias de Bin Laden e outros de ordem bastante polêmica. Todos são justificados e legítimos, pois o importante é a forma “liberdade de expressão” e não o conteúdo da idéia que é expressa.
Defender a liberdade de expressão numa democracia constitui em si mesmo uma bandeira até bastante bonita de se ver desfraldada. No caso de nosso país, ela ainda tem tonalidades mais evidentes porque vivemos uma ditadura (apesar desta já ter se encerrado há mais de vinte e cinco anos).
Preciso fazer um parêntesis: não sou contra a liberdade de expressão. Preciso deixar isso claro, porque alguns afoitos podem querer me acusar disso. Aliás, nenhum criminalista o pode ser, pois afinal, para além da liberdade de expressão, o advogado na esfera penal defende a liberdade de defesa de qualquer criminoso, do menos grave ao mais hediondo, lutando, deste modo, pelas estruturas da sociedade, muitas vezes numa posição bastante desconfortável, contra toda a opinião pública. Em diversos casos, isto não é uma bandeira agradável de ser carregada, mas ela vale a pena, pois indo além do politicamente correto, o penalista fortalece muito mais a democracia.
A questão é manter a coerência com a decisão que foi proferida. Se o tribunal constitucional do país decretou que a liberdade de expressão é plena e não admite restrições, isso deve valer para todos os temas.
Vamos ver, assim, quando outros temas forem levantados, se a postura do STF – e daqueles que se arvoram como defensores da liberdade de expressão – se manterá a mesma.
No que tange especificamente à manifestação de um movimento cuja bandeira é a liberação da maconha, por isso “marcha da maconha”, segundo o mesmo ministro “mensagem de abolicionismo penal quanto à vigente incriminação do uso de drogas ilícitas”, chegou-se à conclusão de que tal defesa não constitui apologia ao crime.
Perfeito! Não é apologia. Mas a questão é: num momento em que se discute o banimento de entorpecentes e drogas em geral, como restrição a bebidas alcoólicas e ao cigarro, fazer uma marcha para liberar a maconha, cujo gênero é de estupefaciente, faz sentido?
Além da questão criminal, que na verdade é uma questão de saúde pública – não é a lei penal que veda o uso da maconha, mas uma portaria do Ministério da Saúde que a coloca na classe dos entorpecentes proibidos – não deveria haver uma reflexão sobre efetivamente o significado e a efetividade social da maconha ser “liberada”?
Esta questão expressamente não foi apreciada pelo STF, como acima ressaltado, mas infelizmente, como o tema da liberdade de expressão foi discutido provocado pela marcha da maconha, muitos irão pensar que o tribunal superior é favorável a essa liberação. Este me parece o ponto principal.
A divulgação da matéria não deveria ser sobre a possibilidade de ocorrência da marcha da maconha, mas sobre a possibilidade do direito de expressão ter, com a decisão do STF, alcançado um grau quase absoluto. Aqui reside a importância da decisão. Mas, possível e infelizmente, talvez essa mensagem fique escondida sob a bandeira da liberação da maconha.
Publicado orginalmente no Última Instância (para ler, clique aqui)
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