Há muitas manifestações controversas em redes sociais sobre
a conduta do agora Deputado Federal José Genoíno, que aceitou tomar posse em
seu cargo na Câmara dos Deputados, após ter sido condenado no julgamento do chamado
mensalão.
Gostaria de deixar claro inicialmente que sou daqueles que
acredita que o mensalão existiu e que há provas para condenação dos envolvidos,
apesar de fortes vozes dissonantes pregarem o contrário. Foram onze magistrados
que apreciaram o processo, o qual seguiu os procedimentos legais previstos,
incluindo-se calorosos debates entre os julgadores. Se o sistema de apreciação
de provas não agrada a alguns, devem estes lutar para que o modelo seja
modificado, uma vez que é ele que autoriza as condenações em nosso país.
Erros judiciários existem sim e – quero deixar também clara
minha posição quanto a isto – talvez, digo talvez, a condenação de Genoíno
possa ter sido sustentada em elementos não muito fortes de prova. Afirmo isso
com base no que foi divulgado pela mídia, pois, como a maioria dos brasileiros
– muitos dos quais se interessam além de futebol por questões políticas – não
tive acesso direto aos autos.
Genoíno foi condenado porque era o líder do partido à época
do esquema e assinou documentos que o conectam ao crime. Foi aplicada a chamada
teoria do domínio do fato, mas, exclusivamente no caso dele – e não no de José
Dirceu –, ao que parece, não se estabeleceu com a clareza necessária se esse
domínio dos acontecimentos teria o condão necessário para torná-lo coautor dos
delitos.
Sendo assim, o caso de Genoíno mereceria um exame mais
profundo do estudioso até como tema de trabalho sobre a possibilidade do erro
judiciário em face do mecanismo de provas adotado e a aplicação da teoria do domínio
do fato.
Porém, condenado ele está! Como em qualquer outro caso,
mesmo com votação apertada – isso ocorre com outros condenados também – as
coisas devem ser vistas assim. Ele está condenado.
Agora, a condenação não é definitiva. Portanto, se queremos
valorizar os princípios que orientam nossa democracia, deve valer até o final
do processo e trânsito em julgado da condenação o chamado princípio da
inocência ou a presunção de inocência.
Significa isto que – em qualquer caso deveria ser assim, mas
às vezes não é – o condenado nesta fase pode exercer todos os direitos da vida
civil. Ele não está definitivamente condenado, logo, sua vida, dentro das
limitações processuais, pode transcorrer normalmente.
Não existe impedimento legal para que ele assuma o cargo a
que se elegeu. Logo, para aqueles que sempre pregaram a prevalência de
princípios, principalmente os de ordem penal, como fundamento de uma democracia
constitucional, não pode haver impedimento legal para que ele tome posse e
exerça o cargo de deputado.
Todavia, não existe possibilidade de sobrevivência do
argumento de alguns que dizem que ele tem o claro direito de tomar posse,
porque, se fosse inocentado, teria sido cerceado em suas liberdades. Este
argumento é falho, pois o indivíduo processado tem limitações de ordem
processual no exercício de sua liberdade, podendo até mesmo ser preso
processualmente. A prisão processual não gera condenação e a absolvição não
deslegitima a prisão processual. Além do que, no atual processo penal, existem
as chamadas medidas cautelares processuais, dentre as quais poderia constar a
proibição de ocupação desse tipo de cargo.
O fato é que a lei não impede a posse, logo é democrática e
constitucionalmente legítimo ser ele hoje deputado. Quando o trânsito em
julgado ocorrer, a questão será outra.
O problema aqui passa a residir na esfera da ética.
O PT sempre foi um partido que se apresentou e se colocou
como guardião da ética e acima do bem e do mal. O mensalão mostrou que não era,
pois acolheu integrantes que não respeitaram este princípio ético-constitutivo.
Assim, sendo Genoíno um dos principais líderes e fundadores
do PT, talvez melhor fosse ele não ter aceitado a nomeação, em respeito a essa
ética primordial hoje inexistente como categoria a priori do PT. Todavia este
não é um juízo do plano jurídico de cidadania.
Na Câmara dos Deputados, porém, convivem princípios éticos e
jurídicos, pois o deputado tem de respeitar o decoro e comportar-se
compativelmente com a conduta geral e esperada dos congressistas. Caberia,
pois, um questionamento dentro da Câmara para saber se a postura do Deputado
Genoíno é ética ou não em face dos estatutos da Casa Legislativa.
Ao cidadão cabe fazer esse questionamento: pode alguém,
condenado em sentença criminal não definitiva, dentro do plano
ético-disciplinar do Congresso, ocupar cargo legislativo?
Se o debate for colocado de forma clara, disputas retóricas
de ambas as posições extremadas perderão efeito e somente a democracia terá a
lucrar com isso.
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Publicado originalmente em Última Instância (leia no site aqui)
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