Recebi no dia 30 de janeiro a pesarosa notícia do
falecimento do amigo Donizete Galvão, ocorrido na madrugada. Que tristeza! Meu
orientador das letras, carinhoso leitor de meus escritos e que, apesar da
pobreza destes, me incentivava a continuar. Por apreço, via-me um poeta, algo
que sem sua amizade jamais serei. Com sua morte, sinto-me órfão.
Donizete Galvão era mineiro de Borda da Mata, tendo se
mudado para São Paulo em 1975. A cidade foi adotada também em sua poesia, que
misturava elementos da vida interiorana, em que se criou, com a experiência do
urbano vivenciada.
E ele viveu São Paulo, sempre andando de metrô, ônibus ou
táxi, algumas vezes de carona com os amigos, permitindo que ouvissem suas
observações argutas da vida na metrópole e sutilmente autorizando que lhe
roubassem as experiências dos poetas que leu ou conheceu (aprendi muito sobre
Orides Fontela).
Não convivi com ele tantos anos como gostaria, mas, nas
oportunidades que tive, aproveitei. Certa vez, pedi-lhe que fosse meu professor
de poesia, ele leu alguns textos meus e disse-me que eu não precisaria. Nunca
comentou minha poesia, mas falava bem de meus ensaios, divulgando alguns até no
facebook.
Por seus comentários carinhosos, sentia-me um escritor e um
pouco poeta, um observador da realidade e leitor das camadas mais profundas da
experiência humana. Se tivesse convivido mais com ele, talvez tivesse aprendido
a transformar isso em poesia.
Em "O Homem Inacabado", impressionou-me muito a
tradução do sentimento de angústia do não ter acontecido, do ter caído em
desuso e o peso de se estar ainda acontecendo, de se estar vivo. A existência,
o corpo, dividido "entre a aceitação da derrota/ e a teia dos desejos/ que
ainda o enredam (“O Corpo Desdobrado”).
E a finitude, que recorda o breve encerramento do prazo
"para o homem construir sua fachada"; em vão, pois, "em todos
esses anos de obra,/ ergueram-se inúteis plataformas/ para edificar um
escombro" (“Fachada”).
Transbordando alegria nos encontros, que antagonizava com
certa melancolia benjaminiana (vista, por exemplo, em "Para Evgen
Bavcar”), ele ensinou como conviver-se consigo mesmo e a confrontar-se com
tantos "homens acabados", senhores de si, no elevado patamar de sua
arrogância.
Ressentirei sua ausência, fará falta sua ácida crítica
(principalmente no facebook) a eventos cotidianos, serei menos escritor, menor
do que sou, mas, com o sofrer e o desgosto da partida, terei a pequena ponta de
orgulho de pertencer ao rol dos homens inacabados.
E na oração da despedida, pedirei a ele que, em conjunto ao
"anjo distraído de Klee", guarde a nós "colhidos na engrenagem
produtora de ruínas".
FERIDA ABERTA
reverbera
a sua morte
em círculos
concêntricos
de dor
um homem sangrava
outro homem dormia
esse sangue
coagulado
anuviou para sempre
a luz do
dia
a cada perda
abre-se um
talho
por onde escorre
sempre viva
a primeira agonia
(O Homem
Inacabado)
DONIZETE
GALVÃO (1955-2014)
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