O caso da jovem influencer Mariana Ferrer gerou grande repercussão por conta do absurdo da tese divulgada como fundamento para absolver o acusado: ‘estupro culposo’.
Mariana Ferrer e o acusado (fonte: Correio 24horas) |
A decisão aconteceu num processo da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, em Santa Catarina, onde a jovem figurava como vítima, a partir de uma acusação contra o empresário André de Camargo Aranha.
Segundo a própria denúncia, ela teria sido dopada e levada a
um lugar desconhecido dentro do Café de La Musique, um clube de luxo de
Florianópolis, que a havia contratado com embaixadora naquela noite. No local,
fora violada sexualmente pelo empresário, que alegou que ela o provocara e que
consentira com o ato.
No último dia 9 de setembro, o acusado foi absolvido porque,
de acordo com o próprio promotor de justiça, o acusado não teria como saber que
a jovem se opunha, se contrariava ou se negava ao ato, porque não houve como provar que ela estaria bêbada. Por esta lógica, como
não havia condições do acusado saber que a vítima não consentia com a relação,
a figura do estupro não apresentava elemento volitivo, quer dizer, o acusado não
teria ‘vontade’ de estuprar. Portanto, sem vontade, o crime seria ‘culposo’, logo, cabendo absolvição. A tese da ausência de prova para demonstrar a embriaguez e o estado de incapacidade da vítima foi aceita pelo juiz.
A par do escândalo que foi a audiência, amplamente divulgada
em vídeo nas redes sociais, e muito além da questão do machismo envolvido como
pano de fundo, há uma terrível erosão no espaço jurídico, que denota o atual
desprezo com o direito penal pátrio.
Com efeito, para o leitor compreender melhor – sem uma
preocupação com muita precisão teórica – todo crime configura-se a partir de
elementos de composição, chamados de ‘elementares do crime’. Basicamente, são
três: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade.
A tipicidade é o elemento de maior destaque e a
culpabilidade, hoje, um dos mais problemáticos. A vontade para a prática de um
delito reside, como elementar, na tipicidade. Uma conduta, ação ou omissão, é
típica quando o agente não só executa o ato (ou deixa de executá-lo), mas
quando também tem vontade de realizar o ato em toda sua configuração.
No estupro, basicamente, o ato é a penetração (mas pode
haver outras ações). Além da penetração, o agente tem de decidir contrariar o
desejo da vítima, vale dizer, ele age com violência física (por meio de força
ou uso de arma) ou moral (por meio de constrangimento excessivo). Quando a vítima está incapacitada de oferecer resistência, pode haver a chamada vulnerabilidade.
A teoria ainda está em evolução e, diferentemente do que se
prega (algumas vezes até na mídia), ela ajuda – e muito – tanto na configuração
do delito, quanto na possibilidade de se condenar criminosos. Mas, atualmente,
tudo que é midiático chama mais a atenção, assim, tem-se casos de inocentes
condenados e criminosos que escapam.
Neste especificamente, o descaso com a teoria foi a fonte da
indignação e da ridicularização da tese do promotor e da sentença absolutória.
O absurdo maior foi a consagração da expressão ‘estupro culposo’,
que já virou mote nas redes sociais. A imbecilidade e a burrice no campo
jurídico acabaram por auxiliar a divulgar uma barbaridade contra a jovem, que
foi vítima da violência mais degradante, porque, além do estupro, foi vítima do
constrangimento na investigação dos fatos.
Não fosse a jovem divulgar seu drama nas redes sociais, os
fatos ficariam esquecidos e tudo estaria como sempre o foi.
Porém, há um detalhe grave que se deseja destacar: o caso
tem um precedente recente. Neste, a também jovem vítima não soube utilizar-se
das redes sociais o suficiente para se defender. Ademais, não era um empresário
apenas rico envolvido, era uma celebridade, muito requisitada e de alta
consideração em vários meios, principalmente o esportivo.
Fala-se aqui do caso Neymar X Najila Trindade, ocorrido em
2019, em Paris, quando a jovem, a convite do jogador foi ‘visitada’ no quarto
em que estava hospedada, pago pelo mesmo jogador. Aqui também o estupro foi
‘culposo’, mas ninguém deu ouvidos. Não interessava. Tivesse havido interesse na
correta investigação e, talvez, se tivesse evitado o caso Mariana Ferrer.
O que se espera é que a campanha das redes sociais permita
evitar que outras mulheres sejam vítimas do mesmo tipo de crime, deste odioso
e, hoje, conhecido como ‘estupro culposo’.
4 comentários:
Parabéns por prontamente comentar sabiamente!
Sábias e jurídicas palavras. Que realmente a justica prevaleça neste caso e em tantos outros que o poder da fama e do dinheiro busca se sobrepor ao Direito. X
Virou um jogo de cartas marcadas, onde quem ganha, no final, é aquele que ďétem o poder, que pode ser o economico, o da força, da artimanha... "Lei ora lei!".
Parabéns,pela matéria escrita em defesa nós mulheres!
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